A mostra que aqui apresentamos reúne um conjunto de objetos de arte de diferentes linguagens - pintura, escultura, vídeo, música, - permitindo conhecer aspectos da vida cultural e social do povo haitiano, expressa em temáticas que estão, pode-se dizer, no cerne de sua formação: a África, a Negritude, o Vuduísmo, a resistência e a luta contra a escravidão e o colonialismo. O registro fotográfico traça um roteiro, revelando lugares paradisíacos de um país banhado pelo mar do Caribe. Uma arquitetura que apresenta vestígios de um passado colonial próspero e descreve a existência de um cotidiano simples, precário e ao mesmo tempo de grande intensidade em suas manifestações populares.
O tempo dedicado a criar e organizar esta exposição, ouvindo histórias e relatos, vendo filmes e livros, selecionando fotos aos sons dos troubadours, colocou-me muito próxima do povo haitiano e de sua cultura. Primeiro país a abolir a escravidão moderna, sofrendo até hoje as conseqüências deste gesto: o isolamento, o estigma de um povo bárbaro e selvagem, ditaduras e catástrofes naturais, mas que ainda teima em resistir contra o preconceito contra a sua língua, sua religião, sua origem africana.
Eu agradeço à Normelia pelo desafio e a todos que auxiliaram na empreitada.

Margarida Rache - Curadora


Esta exposição sobre o Haiti traz o tema Arte e Resistência. Dois conceitos e duas realidades vastos e complexos, com uma longa história que é a da humanidade ao longo de sua História. Nossa exposição aborda o tema na perspectiva do Haiti, pequeno país do Caribe, comumente conhecido por sua trágica miséria. Em 12 de janeiro de 2010, a destruição causada por um terremoto que atingiu, sobretudo, a capital de Porto Príncipe, trouxe o Haiti à cena mediática. O mundo comoveu-se com imagens terríveis de morte e desespero. Fotos, vídeos, documentários circulavam mostrando o horror. Eu vi o horror. Como muitos viram o horror. Como muitos o vêem cotidianamente. Mas, esta espécie de narrativa de minha experiência no Haiti, de outubro de 2008 a agosto de 2011, quer mostrar outras imagens, quer contar outra história. Nesta também tem fome, tem desespero, tem tristeza, tem morte; mas nela também têm criação e criatividade, têm luta e resistência a tudo o que nega a vida. A História do Haiti é de luta e resistência contra o encarceramento do homem nas “prisões” da miséria da escravidão do colonialismo e do racismo. O Haiti testemunha a capacidade do homem de resistir à desumanização através da criação do espírito. Parafraseando o escritor Frankétienne, diante do fechamento de todas as portas, restaram ao haitiano as portas abertas do imaginário místico e mítico do vodu e da criação artística. Nos anos 40, Aimé Césaire, Alejo Carpentier, Wilfred Lam, André Breton, figuras ilustres que visitam o país, movidos então pela art nègre e pelo “primitivismo”, ficam impressionados com o imaginário descortinado pela História e pela arte popular haitiana. Mais tarde, é a vez de André Malraux atraído pelo movimento Saint-Soleil, criado por Tiga. Poderíamos dizer que o Haiti foi, nos anos 40, um dos centros de radiação da arte produzida na época e de novos conceitos, como o de Realismo Maravilhoso, cuja conceituação surge da visita do escritor cubano Alejo Carpentier ao país.
Não podemos falar de arte e resistência no Haiti, sem entrarmos um pouco na História do Haiti, surgido das cinzas das revoltas dos escravos e da Revolução de Saint-Domingue (1793-1804). Trata-se de um povo negro que forjou sua emancipação da escravidão e do colonialismo quando vigorava, em pleno vapor, o sistema colonial escravagista. Ao se declarar primeira República Negra nas Américas em 1804, Haiti vê-se confrontado com o isolamento, o estigma, a negação de sua existência e à hipoteca de seu desenvolvimento e de sua soberania. Ameaçado constantemente em seu corpo e em sua identidade (em sua língua e em sua religião), o povo haitiano forjou uma cultura de resistência. Alias, poderíamos dizer que a cultura do negro no mundo moderno, é uma cultura de resistência. O percurso da África às Américas e da escravidão à modernidade, é de resistências e de lutas contra a morte, a desumanização, à alienação. O grande poeta da Negritude, Aimé Césaire, nascido na Martinica de avós escravos, definiu, em uma entrevista, a cultura como tout ce que l’homme a inventé pour rendre le monde vivable et la mort affrontable [tudo o que o homem inventou para tornar o mundo vivível e a morte afrontável”. Profundamente engajado com a condição e a situação do negro e consciente da profunda alienação produzida pela escravidão e pelo colonialismo, Césaire via a arte, mais especificamente a poesia, como uma “arma milagrosa” de liberação e emancipação. Ao aliar a razão e a imaginação, o consciente e o inconsciente, a arte seria um instrumento de ressubjetivação, de recriação de uma identidade roubada e alienada. A criação artística no Haiti está em toda parte e pertence a todas as classes sociais. Nesta exposição apresentamos uma perspectiva desta criação em suas diversas expressões: pintura, escultura, em pedra e em metal, e música. Os vídeos-documentários presentes abordam a arte de alguns pintores renomados como André Pierre, Tiga, Préfète Duffaut, Cédor, Lazard e Marithou. Um deles é consagrado à escultura em metal, arte tipicamente haitiana. Todos eles realizados pelo cineasta Arnold Antonin que tem se dedicado a preservar e divulgar a memória cultural e artística do país. Um traço é recorrente nestas obras: a referência ao imaginário vodu.


Normelia Parise

Pinturas de André Pierre

André Pierre, Marinèt Pied Sèrche

Para o pintor-houngan André Pierre,
O vodu estava aqui, antes de todas as religiões. O vodu é mais antigo que
Cristo. Ele é a primeira religião da Terra. Ele está na criação do mundo. O mundo
foi criado pelo vodu. O mundo foi criado por magia. Cristo é o primeiro mágico
que criou o mundo com suas próprias mãos com a poeira da Terra. Os povos
nasceram por magia em todas as regiões do mundo. Ninguém vive da carne.
Cada um vive do espírito. Eu pinto para mostrar ao mundo o que é o vodu. Três
quartos da população do mundo creem que o vodu é diabólico. Eu pinto para
mostrar que não é verdade.


André Pierre, Maître Baron La Croix

Desalinyèn – Ine Ayisyen

Dessalines, herói da Independência do Haiti - Cabo Haitiano
Composição de Justin Lhérisson, 1903
Música de Nicolas Geffrard

Pou Ayiti
Peyi zansèt yo
Se pou n mache
Men nan lamen
Nan mitan n pa fèt pou gen trèt
Nou fèt pou n sèl mèt li
Annou mache men nan lamen
Pou Ayti ka vin pi bèl
Annou, annou met tèt ansanm
Pou Ayiti onon tout zansèt yo.
Pou Ayiti
Onon zansèt yo
Se pou n sekle
Se pou n plante
Se nan tè tout fòs nou chita
Se li k ba nou manje
Ann bite tè, ann voye wou
Ak kè kontan, fòk tè a bay
Sekle, wouze, fanm kou gason
Pou n rive viv ak sèl fòs ponyèt nou.
Pou Ayiti
Ak pou Zansèt yo
Fò nou kapab
Vanyan gason
Moun pa fèt pour ret ak moun
Se sa k fè tout manman ak tout papa
Dwe pou voye timoun lekòl
Pou yo aprann, pou yo konnen
Sa Tousen, Desalin, Kristòf, Petyon
Te fè pou wet Ayisyen anba kòd blan

Pou Ayiti
Onon zansèt yo
Ann leve tèt
Nou gad anlè
Pou tout moun mande Granmèt la
Pou l ba nou pwoteksyon
Pou move zany pa detounen n
Pou ka mache nan bon chimen
Pou libète ka libète
fòk lajistis blayi sou peyi a!
Nou gen drapo
Tankou tout pèp
Se pou n renmen l
Mouri pour li
Se pa kado blan te fè nou
Se san zansèt nou yo ki te koule
Pou nou kenbe drapo nou wo
Se pou n travay met tèt ansanm
Pou lòt peyi ka respekte l
Drapo sila a se nanm tout Ayisyen

Itens cerimoniais

Ronald, Bossu

Ronald, Pakèt Kongo

Ronald, Bouteille/Garrafa

Ronald, Bossu

Ronald, Pakèt Kongo

Drapo voodoo

Drapo voodoo que podem ser encontrados na exposição.

s/ autor, Bandeira Vodu com Vèvè de
ERZULIE, tecido, pérolas e lantejoulas

s/autor, Bandeira Vodu com Vèvè
de ERZULIE, tecido, pérolas lantejoulas

s/autor, Bandeira Vodu com Vèvè de Ogoun,
tecido, pérolas e lantejoulas


James, Bandeira Vodu com Bossu,
tecido, pérolas e lantejoulas

Auy, quadro com Zaka, madeira,
tecido, pérolas e lantejoulas